Vivemos uma vida virtual?
Bom, para começar essa análise devemos primeiro entender o seu significado.
Virtual é algo que não é físico, concreto. Apenas conceitual; aquilo que não é palpável.
Atualmente falam muito que o ser humano está vivendo, cada vez mais, uma vida virtual e que isso seria “culpa” da internet.
Com o avanço da tecnologia, o termo virtual ficou, realmente, muito associado à internet. E faz sentido, pois, por exemplo, escrevemos cartas (e-mails) sem usar caneta e mandamos por um “correio” que não pega trânsito, não precisa atravessar o atlântico de avião, nem correr de cachorro bravo.
Mas o mundo virtual é mais antigo que a tecnologia. Estamos “presos” no virtual pelo simples fato de sermos humanos. Ou o ato de sonhar é real para alguém?
Trabalhamos o imaginário diariamente. Seja na observação do cotidiano, nos planos para o futuro, na leitura de um livro, assistindo a uma novela ou série e, claro, acessando a internet.
Estamos a cada dia mais virtualizados, pois é isso que buscamos. Para superar o real, somente algumas doses de virtual. Com isso, alguns mais despreparados acabam caindo no vício do fictício, outros, até enlouquecem não conseguindo discernir entre ambos os mundos.
E assim seguimos… virtualizando…
Trouxe a tona essa questão, pois recebi um e-mail… daqueles, tipo corrente, mas que fazia esse contra-ponto. Usamos tanto esse termo como algo atual, que esquecemos seu significado real.
Esta crônica consta dos livros Razão e PreTextos, editora all print. Registrada na biblioteca nacional desde junho de 2003, algumas versões desta crônica circulam errôneamente na net como sendo de autoria desconhecida, mas pertence a Rosa Pena é escritora, autora de diversos textos e livros, e também professora, administradora de empresas e especialista em recursos audiovisuais e artes cênicas.
Entro apressada e com muita fome na confeitaria. Escolho uma mesa bem afastada do movimento, pois quero aproveitar a folga para comer e passar um e-mail urgente para meu editor.
Peço uma porção de fritas, um sanduíche de rosbife e um suco de laranja.
Abro o laptop.
Levo um susto com aquela voz baixinha atrás de mim.
— Tia, dá um trocado?
— Não tenho, menino.
— Só uma moedinha para comprar um pão.
— Está bem, compro um para você.
Minha caixa de entrada está lotada de e-mails. Fico distraída vendo as poesias, as formatações lindas. Ah! Essa música me leva a Londres.
— Tia, pede para colocar margarina e queijo também.
Percebo que o menino tinha ficado ali.— Ok, vou pedir, mas depois me deixa trabalhar. Estou ocupadíssima.
Chega minha refeição e junto com ela meu constrangimento.
Faço o pedido do guri, e o garçom me pergunta se quero que mande o garoto “ir à luta”. Meus resquícios de consciência me impedem de dizer sim.
Digo que está tudo bem, que o deixe ficar e traga o pedido do menino.
— Tia, você tem internet?
— Tenho sim, essencial ao mundo de hoje.
— O que é internet?
— É um local no computador, onde podemos ver e ouvir muitas coisas, notícias, músicas, conhecer pessoas, ler, escrever, sonhar. Tem de tudo no mundo virtual.
— E o que é virtual?
Resolvo dar uma explicação simplificada, na certeza de que ele pouco vai entender e vai me liberar para comer minha deliciosa refeição, sem culpas.
— Virtual é um local que imaginamos, algo que não podemos pegar, tocar. É lá que criamos um monte de coisas que gostaríamos de fazer, criamos nossas fantasias, transformamos o mundo em quase como queríamos que ele fosse.
— Legal isso. Adoro!
— Menino, você entendeu o que é virtual?
— Sim, também vivo neste mundo virtual.
— Nossa! Você tem computador?
— Não, mas meu mundo também é desse jeito…virtual.
Minha mãe trabalha, fica o dia todo fora, só chega muito tarde, quase não a vejo. Eu fico cuidando do meu irmão pequeno que chora de fome e eu dou água para ele imaginar que é sopa. Minha irmã mais velha sai todo dia, diz que vai vender o corpo, mas não entendo pois ela sempre volta com o corpo. Meu pai está na cadeia há muito tempo, mas sempre imagino nossa família toda junta em casa, muita comida, muitos brinquedos, ceia de Natal, e eu indo ao colégio para virar médico um dia.
Isso é virtual, não é tia?
E se você acha que está exgerando no mundo virtual e deseja alguém para conversar, a psicóloga Fernanda Villas Boas está oferecendo um atendimento gratuito para aqueles que disserem ser indicados pelo site Tecnologia Outonal.
Abraços a todos e um ótimo fim-de-semana 🙂
Claudia Sardinha
Crônica excelente. Muito real.
Amei. 😳
Muito grata pelo elogio, Dalma 🙂
Volte sempre.
Boa noite,
gostaria de conversar com você sobre mundo virtual e ilusoes. Tem interesse?
Desculpe, não entendi? É uma sugestão de post??
Olha a contradição da autora: diz que virtual é só um conceito. E a internet não é algo existente?
Um diálogo entre duas pessoas, cada uma em cidades diferentes, através do computador, não é nada mais do que algo real, existente, que tem e poderá ter efeitos físicos.
O uso do termo virtual como se fosse sinônimo de internet, é usado por algumas pessoas que infelizmente não se dão ao trabalho de pensar um pouco.