Arcane, a animação de League of Legends da Netflix
Se tem uma coisa que consumi bastante nesta vida é produto derivado. Livro derivado de game, animação derivada de filme, game derivado de livro, filme derivado de game, de livro e por aí vai. Conclusão? O que não falta nesse ramo é caça níquel de baixa qualidade. Isso quando não exigem que você saiba isso ou aquilo do original para poder curtir a obra derivada.
Nesse sentido, Arcane, da Netflix, que é sub produto de League of Legends, da Riot, é a agradável surpresa do ano. É boa e não requer que se saiba coisa nenhuma sobre o jogo. Surpresa maior ainda porque o jogo tem visual cartunesco e não raramente solta conteúdo para faixas etárias mais baixas. Coisas bobinhas mesmo. Entretanto, o tom geral aqui é de ação e – pasmem – drama.
Há uma forte carga de crítica social com o conflito entre sociedade bem estabelecida e gueto, frustração dos periféricos, clima de revolta, drogas e crime. Uma polícia corrupta que negocia diretamente com os chefes do crime e uma alta sociedade que não está interessada em sanear sua cidade, pois suas negociatas necessitam que a corrupção exista. Não há alívio cômico, nem com piadas pontuais, nem na forma de personagens nesta função. As insinuações de prostituição são discretas, mas claras aqui e ali e há um interessante dilema sobre a responsabilidade de cientistas diante de descobertas que podem ser perigosas para a sociedade e o acelerar do uso prático dessas invenções, diante das pressões de grupos econômicos.
Durante os nove episódios há gente sendo baleada de menos, considerando a quantidade de tiros disparados, mas não há outro jeito de manter a classificação em 14 anos, suponho. Nada que não estejamos acostumados com Star Wars e tais – Stormtroopers tem uma mira que vou te contar, né? Acontece, entretanto, espirros de sangue ocasionalmente, assim como feridas abertas, socos e chutes que a animação procura impor o maior peso possível nos impactos (aquele defeito de animação/filme onde o espectador não sente o golpe conectar, não acontece aqui). Existe até uma cena de sexo. Pudica como cena de sexo de novela das 6h, mas está lá.
Então, considerando tudo, apesar do visual cartunesco, aventureiro e com carinha de desenho da Pixar, a série se afasta do público infantil e foca no público jovem. Inclusive fazem uma mistureba muito bem sucedida de alguns visuais e elementos modernos num cenário com cheiro de steampunk. Tudo pontuado por uma trilha sonora própria muito bacana. O visual é um espetáculo a parte. Animação de computador que não busca o foto realismo. Lembra uma pintura, com enorme riqueza de detalhes nos cenários, coreografias de luta bem feitas, character designs inspirados – e que procuram identidade própria em vez de copiar o do jogo – tomadas de câmera interessantes e fotografia que se faz notar. Até um quadro com imagem de família, em uma casa aristocrática, “pintado” num estilo emulando o de Alphonse Mucha, da virada do século XIX para o XX, está lá.
E a cereja do bolo é a apresentação. Se True Blood, Dexter e Game of Thrones punham o espectador no clima já na apresentação de cada episódio, Arcane não fica atrás. Capricharam na mão nesse quesito. O primeiro ato é um tanto destacado dos demais, onde vemos vários protagonistas ainda muito jovens ou, como Powder, ainda criança – aliás, o elenco não é pequeno, havendo mais de um núcleo de personagens. O final deste ato é inesperado, impactante e ajuda a construir muito bem um dos personagens.
No tocantes ao desenvolvimento dos protagonistas, é louvável como a vida e a visão de mundo dos personagens vai mudando. Destaques para Jaice, Powder/Jinx, Victor, Heimerdinger e Caitlyn. Ponto forte também é o fato de não haver didatismo tentando explicar o universo onde se passa a história. Nada de textinho estilo Star Wars ou narrador dando palestrinha. Ainda assim não se fica perdido. Os detalhes vão sendo apresentados naturalmente, aos poucos, até entendermos um tanto da política local, as tensões no gueto e com o gueto e até algum lampejo do relacionamento com nações estrangeiras.
Há cenas repetidas várias vezes, porém sob pontos de vista diferentes, o que acrescenta bastante sal à forma de contar a história e o final da série deixa a gente desejando uma segunda temporada para ontem! Meu Jesus do céu! Que última cena foi aquela.
Enfim, se no seu gosto cabem os filmes da Marvel, Harry Potter e animações da Pixar, Arcane é um prato cheio.